segunda-feira, 4 de outubro de 2010

História de Pedras

Pessoas instruídas há muitas; pessoas instruídas e inteligentes, menos; muito menos ainda, pessoas que, além da instrução e da inteligência, têm faro!

Tenho uma grande admiração e respeito por essas pessoas pois são raríssimas.

Honro-me de conhecer algumas e vejo-me obrigado, em favor da precisão desta história, a nomear uma. Trata-se do professor Félix Trombe, montanhista e espeleólogo experimentado, sempre cheio de ideias geniais. Era quase inevitável que ele estivesse na base de uma descoberta que vos passo a contar e de que participei.

Há uns anos atrás, Félix Trombe, sempre ávido de pesquisa e amante do mundo subterrâneo, embrenhou-se na gruta de Rieusec. Aquela gruta, situada no maciço de Paloumére, na vertente de Henne-Morte, há muito que o atraía. Apesar de imensa, Trombe conhecia-a até aos mais pequenos recantos.

Logo à primeira vista avaliara o interesse daquela gruta que, aos seus olhos, não era como as outras.

Ele mesmo escolheu e extraiu, de entre várias toneladas de pedras, aquelas que lhe pareceram diferentes de todas as outras. Muitos outros espeleólogos e investigadores visitaram aqueles lugares sem que nada tivessem notado de particular.

Trombe, ao regressar a Paris, confiou uma amostra dos calhaus a um químico a fim de saber de que se tratava. O calhau que não foi utilizado nas análises foi-lhe devolvido com um relato sumário. A pedra não tinha qualquer interesse, tratava-se de calcite vulgar, idêntico ao que se encontra em todas as grutas.

Mais admirado que decepcionado, o professor guardou o calhau outra vez, não se decidindo a separar-se dele. Meteu-o no fundo de uma gaveta, convencido de que um dia qualquer coisa se haveria de revelar.

Passou o tempo. Cada um de nós sente, de vez em quando, a necessidade de arrumar as gavetas. Foi assim que Trombe redescobriu o seu querido calhau, amostra mineral.

Entregou-o ao seu assistente, pedindo-lhe para examinar a pedra quando tivesse tempo.

Fez-se o exame. Como Trombe previra, a pedra tinha enorme interesse científico.

Conforme o garantiam as análises feitas no laboratório de terras raras de Bellevue, jamais se vira calhau igual. Continha uma multidão de produtos interessantes e tinha, ademais, a particularidade de apresentar um espectro exactamente igual ao das pedras trazidas da lua.

Estranha coincidência: como é que sucedeu ter esta pedra terrena feito a sua aparição no mundo científico no momento em que se encontravam iguais na lua?

Em resumo, era urgente fazer uma expedição científica àquela gruta. Fui encarregado de organizar a parte material da expedição.

Há uns anos penetrei numa loca que um pastor me indicou. Como a fauna que ali havia era interessante, voltei.

Para caçar os cavernícolas existentes na loca, tive de levantar, uma a uma, as pedras encravadas no chão.

Algumas pareceram curiosas. Não conheço nada de pedras e detesto encher a mochila com elas, sobretudo quando é preciso sair do fundo de um poço por uma frágil escada. E as pedras, além disso, não são a minha especialidade, pensei. Todavia enchi o saco. Não pensem que isto tenha qualquer relação com o que disse no inicio da narrativa. Tratava-se precisamente do contrário e isto prova que se pode atingir o mesmo fim por caminhos distintos.

Foi só por causa da minha ignorância e da minha curiosidade de pega que recolhi os calhaus em questão. Nunca tinha visto outros iguais em nenhuma das minhas centenas de explorações. Devido a tal experiência é que as assinalei. Aquelas pedras agradavam-me e queria saber o que eram. Levei-as ao laboratório e apresentei o meu achado a um geólogo que as considerou vulgares, sem interesse, boas para deitar fora. Não me rendi àquela solução radical e a minha audácia foi até ao ponto de as colocar numa vitrina da sala de entrada juntamente com outras amostras trazidas anteriormente, esperando que um dia, alguém, de passagem, lhes prestasse atenção.

Mas, francamente, não tive sorte nenhuma, ninguém olhava para elas. Apesar de bem apresentada, a minha mercadoria não encontrava comprador. De vez em quando tentava fazê-las sobressair no meio de cristais mais bonitos, mas cada tentativa resultava num fracasso e mortificação.

Um dia, com grande estupefacção minha, a mulher da limpeza foi intimada a desocupar as vitrinas para uma nova exposição. Tinham-me feito uma partida. «Acabaram-se todas estas porcarias sem interesse», disse a mulher, «deitei-as ao lixo.»

Naquela altura apeteceu-me deitar a casa abaixo.

Que não admirassem as minhas pedras, vá que não vá, mas deita-las ao lixo! Pedras preciosas que tinha carregado às costas, era o cúmulo! Encontrá-las-ia, havia de guarda-las e, se preciso fosse, guardá-las-ia debaixo da cama! Assim fiz, ou quase. Coloquei o precioso conteúdo do lixo numa caixa e guardei.

Entretanto efectuou-se a expedição à gruta de Rieusec, a qual forneceu uma grande quantidade de ensinamentos, embora seja ainda muito cedo para fazer um balanço, uma vez que estão em curso as análises, mas sabe-se que esta descoberta abre grandes perspectivas a várias pesquisas. Paul Caro, assistente do professor Trombe e também espeleólogo experiente, pediu-me, no decorrer daquela expedição, que no caso de eu ter encontrado pedras semelhantes às de Rieusec, lhas enviasse.

Pensava ele pregar-me uma partida e apanhar-me desprevenido, mas não era em vão que me chamavam o coca-bichinhos da espeleologia. Respondi-lhe, para seu espanto, que de pedras como aquelas tinha eu um caixote cheio na minha casa de banho e as guardava preciosamente há dez anos.

Se nas análises se revelassem iguais às de Rieusec, então diria onde as encontrara!

O jazigo destas pedras lunares estende-se, actualmente, por mais de trinta quilómetros.

Outras se hão-de encontrar, estou certo disso; agora toda a gente as vai descobrir!

Para mim pretendo encontrá-las de outra espécie, como as que serão trazidas de Marte, dentro de algum tempo, e que felizes acasos farão descobrir na Terra.

Os meios técnicos de investigação progridem incessantemente. Se o que ontem não tinha interesse o tem hoje, deve-se exclusivamente ao facto de terem aumentado as possibilidades de investigação, porque ninguém muda neste mundo.

Em tal caso não se trata de uma descoberta pessoal, mas de descobertas feitas por todos aqueles que, nós trazemos as pedras, trabalham na elaboração de novos aparelhos de análise.

Cada um no seu campo, pelo seu trabalho, contribui para se atingir um todo imprevisível.

Esta é a bela e misteriosa aventura da investigação científica. As descobertas não têm interesse se não pelos problemas que desencadeiam.

O progresso científico não resulta se não for uniforme em todos os seus domínios, pois tarde ou cedo, se qualquer deles for negligenciado, esta falta deita por terra todos os demais êxitos.

A espeleologia é, incontestavelmente, uma trave mestra na investigação futura.

Transcrição do livro de Michel Bouillon “Descoberta do Mundo Subterrâneo”, pag. 94-97 ano 1972.

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