quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Descida ao Aven de Hures, França.

O verão de 2006 foi especialmente gratificante pela descoberta pessoal da região dos Grands Causses.

Na zona de Causse Méjan existe a localidade de Hures onde se situa um algar com o mesmo nome. Este foi explorado pela primeira vez por E. A. Martel no ano de 1889 e desde aí sucessivas explorações o foram revelando cada vez mais fundo, sintetizando os passos normais de uma exploração continuada que aos poucos foi expondo esta espectacular escultura do mundo subterrâneo.
Quando chegamos à referida aldeia de Hures, com pouco mais de uma vintena de casas, não havia ninguém nas ruas e pouco depois surgiu um casal de idosos belgas cheios de curiosidade sobre o que é que estávamos a fazer. Já tinham percorrido Portugal de norte a sul e falaram-nos de um País muito interessante e bonito que nos deixou contentes, claro!
Seguiram-nos até à entrada da gruta e lá ficaram quando deixamos a superfície.

A entrada fez-se por uma conduta forçada até ao primeiro poço de 33m, depois várias sucessões verticais até chegarmos a um meandro, que para mim foi o mais espectacular que fiz até hoje, e por fim o poço do eco. Abismal, tem mais de 87m directos e é todo concrecionado. Ao descermos a nossa luz não alcança nem a sua base nem grande parte das paredes, apenas se desce, desce…

Continuamos seguindo outro meandro com água até esgotarmos o equipamento de montagem, mais ou menos a -250m, e pouco depois começamos a subida de regresso. No geral, é uma caverna exigente, mas desde o momento de entrada até sairmos toda a equipa esteve sempre em grande actividade. As formas cársicas esculpidas no calcário são perfeitas e admiráveis quase a cada passo que dávamos, espero, sinceramente, poder voltar um dia.

Foi o primeiro espaço subterrâneo onde me deparei com uma placa a dar conta da morte de um espeleólogo numa gruta, por isto também, foi impossível ficar indiferente.



passos na história.

1889; Martel desce à cota de -121m e detém-se perante um poço de 11m então inundado.

1892; Armand e Arnal encontram esse poço seco, descem-no e detêm-se perante um meandro.

1931; R. de Joly, S. Arnal e Guy de Lavaur conseguem com sucesso atravessar o meandro e detêm-se num entupimento a -187m.

1948; o Spéléo-Club dês Grands Causses encontra os detritos do entupimento muito diminuídos devido a inundações e chegam aos -192m.

1958; os espeleólogos de L`Alpina detêm-se numa conduta (em abóbora) inundada e interrumpida por areia e galhos a -193m.

1970; Y. Aucant e J. C. Frachon forçam a passagem em apneia mas não vão longe devido ao equipamento. Ainda nesse ano o C.A.F e o Spéleo Club dês Causses, de Millau, encontram o local muito seco e chegam a -260m junto a uma estreiteza.

1972; o S.C. de la M.J.C. Rodez passam esse obstáculo e continuam por um meandro, um poço e uma conduta forçada que acaba num sifão a -307m.

1974; o mesmo grupo descobre o acesso ao grande poço do “eco” que evita passar a conduta molhada. Em Setembro desse ano descobrem um laminador que dá acesso ao mesmo sifão terminal a -310m.

1973; R. Pelissier mergulha no sifão a -307 e chega à cota -326m.

1980; F. Poggia mergulha no mesmo sifão e desce a -345m.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Travessia La Rubicera – Mortero de Astrana, Espanha.

Só o facto de se poder contemplar a nascente do rio Ason que parte de uma cascata de umas boas dezenas de metros, vale bem a pena uma deslocação a esta zona da Cantábria.

No primeiro fim-de-semana de Agosto de 2007, bem descansados, tomamos um pequeno percurso de pé posto, no início desse vale, alcançando o nosso objectivo cerca de 3km depois na entrada da Rubicera.

As duas cavidades têm as entradas a cotas similares e ainda há pouco tempo a ligação entre estas, fazia-se descendo a uma profundidade de -400m para voltar de novo a subir e retomar a travessia.


Entramos logo em grandes salas que se ligavam entre si através de caos de blocos, depois meandros, zonas labirínticas e uma porra de um lago que atravessamos com a água pela cintura.

A distância percorrida até aí já era considerável e apesar do choque térmico, mantivemo-nos sempre em movimento até a uma segunda zona alagada que, para o qual, tínhamos preparado uns pequenos flutuadores para a atravessar.

Esse facto fez com que diminuísse-mos em muito a carga logística para dentro da gruta, caso contrário, teríamos sempre que levar fatos de neopreme devido à temperatura e profundidade da água, o volume destes a transportar seria altamente inconveniente.

Entramos na água e, talvez devido à soma do nosso peso com a carga que transportávamos às costas, houve flutuadores que não resultaram, o meu foi um deles.

Tive de atravessar a extensão de água com ela até ao pescoço, era tão gelada que me pareciam estalar os ossos.

Ainda faltava mais de uma hora e meia para alcançar a saída quando chegamos a uma sequência de cabos tecnicamente muito difíceis de transpor. Havia muito desgaste físico em nós e as paredes completamente lisas e escorregadias exigiram esforço extra, numa acção de maior exigência física, um de nós esgota temporariamente e tivemos todos que parar.

Este facto para mim foi terrível. Estava suspenso num corrimão e já não sentia o corpo com o frio, comecei a ter cãibras e a determinada altura três dedos da mão esquerda fecharam involuntariamente no cabo que estava a segurar, com a mão direita tive de os forçar a abrir para poder sair dali.



Estava a entrar em hipotermia, por nada podia estar parado, então tive de continuar com outro colega e abandonar os outros. Fizemos o resto do percurso, uma hora, sem auxílio a topografia, seguíamos as estações topográficas marcadas na gruta e quando tínhamos duvidas, um de nós ficava no sítio indo o outro encontrar o percurso certo, a certa altura…enfim luz!

Números impressionantes!
Sistema Mortillano.

A 4 de Maio de 2008, vários membros de la Agrupación Espeleológica Ramaliega, conseguem unir os sistemas de Garma Ciega – Cellegua com o Mortero de Astrana – Rubicera.

O resultado da união de ambos os sistemas passou-se a chamar “Sistema Mortillano”, o qual possui, agora, 103.000m de desenvolvimento, um desnível de -848m, 18 bocas de entrada, 4 grandes poços no seu interior, de 340, 266, 260, e 180m e é atravessado por 7 rios!

http://www.aer-espeleo.com/

Neste momento é a segunda maior cavidade de toda a Espanha prevendo-se que muito em breve passe a ser mesmo a primeira.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Lapa do Forte do Cavalo, Serra das Baterias.

Perto de Sesimbra existe uma lapa conhecida por Lapa do Forte do Cavalo. Foi este o local que carinhosamente adoptamos para gruta escola, onde os alunos éramos nós próprios.

Um dia, algures entre Fevereiro e Março de 1999 enquanto treinávamos progressão em cabos, recebemos a visita de um dos donos do terreno que nos abordou sobre a autorização de ali estarmos. Feita uma exposição sobre os nossos propósitos o senhor pareceu ficar agradado e tivemos uma tarde de história, dos últimos 50 anos do sitio.
Entre várias histórias, contou-nos, que durante a revolução do 25 de Abril os fuzileiros tinham explorado a lapa, que num canto (apontando para o local) tinham deixado cordas e material de exploração, depois, o buraco fora tapado e era esse o motivo pela qual a lapa aparentava não ter qualquer continuação.

De repente para nós a lapa passou a ter outro interesse também, o de descobrir a sua continuação e dar-lhe estatuto de gruta. Começamos por perseguir os passos dos fuzileiros e depressa descobrimos que tudo não passava de uma fantasia, daquelas que todos os espeleólogos de vez quando tem de ouvir de outras pessoas e que por vezes se torna difícil explicar-mos que não é bem assim.

Não ficando satisfeitos com as primeiras conclusões, reparamos que junto a um canto havia um pequeno espaço entre o chão e o tecto de um estrato.
Começamos a limpar a argila e progredimos ao longo de alguns dias uns metros, a determinado momento, uma pancada com a pequena picareta que usávamos, produziu um som seco e oco. Olhei por cima do ombro do meu colega que, interrogado, puxava lentamente para si uma coisa arredondada.

Tratava-se de um crânio humano!
Era a primeira vez que tinha contacto com ossos humanos no meio subterrâneo e isso teve em mim um efeito que ainda hoje tenho dificuldade em explica-lo.

Foi naquele dia que senti que as grutas são mesmo um museu da profundidade dos tempos, a responsabilidade de não o violentar e a necessidade de aprender para alem daquilo que pode não vir nos livros sobre espeleologia.



O Homem e o Mundo Subterrâneo
(por Michel Bouillon; descoberta do mundo subterrâneo, 1972)

Se o espeleólogo moderno se surpreende, por vezes, pelo facto de não ser o primeiro visitante de uma caverna, é porque desde há muito tempo que o homem começou a habitar o mundo subterrâneo, por necessidade material e espiritual.

As grutas horizontais totalmente virgens são raras, pois sendo de fácil acesso, foram, desde sempre as mais frequentadas. Uma exploração pormenorizada permite descobrir a importância e a duração da ocupação dos lugares, bem como a antiguidade das marcas aí deixadas. Em geral sobrepõem-se épocas diferentes, da pré-história até aos nossos dias; o problema, então, complica-se, e é isto o que torna as investigações difíceis e as conclusões delicadas.

Por outro lado, a gruta visitada não teve sempre o mesmo aspecto como quando da passagem dos primeiros habitantes ou curiosos; até as vias de acesso às diversas galerias podem mudar.
O primeiro trabalho do espeleólogo será, portanto, descobrir as modificações que possam ter-se produzido, a fim de poder encontrar as passagens ocultas ou obstruídas, as quis levam, frequentemente, ao prolongamento da rede.

Um espeleólogo deveria saber reconhecer todos os traços deixados pelos homens, animais, insectos, bem assim como as transformações naturais ou artificiais de uma gruta.

A entrada de uma caverna pode ter sido obstruída e o explorador penetrará pela abóbada de um tecto abatido ou por qualquer galeria adjacente afastada da principal. Outras vezes, aquela pode ter ficado emparedada por uma barreira de estalagmites através do qual será preciso abrir passagem. Esta barreira, que teve origem numa fissura do tecto da galeria através da qual a água carregada de carbono pôde formar concreções, não se deve confundir com uma moldagem de calcite numa parede, contra a qual seria inútil qualquer esforço.

O espeleólogo pode ser surpreendido, após várias passagens extremamente apertadas, com um esqueleto inteiro de bisonte ou de um cavalo que lá chegaram por alguma entrada misteriosa.

A gruta parece imóvel, à escala humana e, contudo, está em constante movimento, em eterna transformação. As causas mais importantes são de origem natural: enchimentos, derrocadas, concreções, tremores de terra; outras são devidas ao facto de os homens aí terem exercido diversas actividades ao longo de milénios, sem contar com os enormes animais da pré-história que animaram as cavernas com a sua presença, e até nos nossos dias, uma fauna particular que habita ainda os mais sombrios recantos.

Parque da Pré-história.
…um local gratificante para o enriquecimento do conhecimento.

A 13 de Junho de 2008, aproveitando a estadia espeleológica que estávamos a desfrutar na região de Ariège (França), não perdemos a oportunidade para visitar o Parque da Pré-história, na zona de Niaux, e com isso tentar compreender melhor o comportamento humano pré-histórico.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Sima de la Cuesta del Cuivo - Mortero de Astrana, Espanha.

O dia 2 de Agosto de 2008 foi mais um dia de emoções na região da Cantábria, mais concretamente na comarca do Alto Asón.
Actualmente existem aqui mais de 4000 grutas catalogadas de entre as mais de 9000 de toda a Cantábria.

A travessia, inserida num sistema cavernícola que possui actualmente um desenvolvimento total de 42.400m, é activa, e exigiu uso de fatos de neopreme por baixo dos fatos de espeleo.

Entramos através de um poço pequeno, cerca de 10m de profundidade, e pouco depois começava a nossa luta com a água. A certo momento, já se ia tão à vontade, ao passar-mos um cabo entre mãos este caiu numa marmita inundada e foi ao fundo, perdendo-se. Acontece que o sistema que usamos de recuperar o cabo a cada poço, não permite que estes incidentes aconteçam. O mesmo cabo é essencial para toda a travessia.
Houve um pouco de apreensão mas conseguiu-se, mergulhando, recupera-lo.

Seguiu-se uma grande sequência de meandros e poços com água e lama. Ao fim de quatro horas de acção chegamos a uma zona onde havia um meandro alto, estreito e de difícil progressão, que nos confundiu um pouco sobre a forma de como deveríamos penetra-lo. Um de nós foi à frente, distanciando-se um pouco, para poder guiar o restante grupo e numa zona muito apertada, desliza e fica entalado na fenda do meandro.

Felizmente que nos fazemos sempre acompanhar por um “kit de desempanagem”, um mini saco onde vem sempre o material básico para se poder fazer um pequeno resgate.
Ainda assim não foi muito fácil, o nosso companheiro estava mesmo muito entalado, num espaço tão reduzido que mal o conseguíamos agarrar e uma pessoa só não o conseguia mover nem um centímetro.





Conseguimos penetrar por cima dele, na estreiteza do meandro, fazer uma fixação e com mosquetões e uma roldana fazer uma desmultiplicação de forças que acabou por resultar em pleno.

Foi o momento de maior tensão talvez, mas depois disto fazer o resto da travessia e sair no Mortero de Astrana… são momentos que se guardam para sempre!

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A Gruta do Sono, Serra dos Pinheirinhos.

...os passos da descoberta de uma Jóia.

1ª Parte - A Gruta do Vento.

Na Serra dos Pinheirinhos havia sido detectado um pequeno buraco, pouco maior que um punho fechado, de onde vinha ar carregado de humidade. Várias vezes fui ao lugar para, nos dias frios, poder ver a condensação deste e tentar, frustrantemente abrir a entrada. Em quatro tentativas solitárias que fiz, deixei cair para dentro do buraco um telemóvel novinho, uma maceta, dois ponteiros e uma esferográfica.

A estreiteza e dureza da rocha aliados aos meios disponíveis na altura, pareciam tornar a desobstrução impossível, mas vai daí que quanto maior é a dificuldade maior é a vontade de a enfrentar.

Determinados a dar-lhe luta conseguimos, aproveitando duas diáclases que se encontravam, deslocar um enorme bloco rochoso e alargar a entrada. Ao fim de nove dias intensos entramos em mais um espaço subterrâneo virgem na Arrábida e recuperamos os objectos perdidos já havia dois anos!

Surpreendentemente a caverna não era grande, encontramo-nos perante uma pequena gruta fóssil com abatimentos colmatados por calcite. O ar que sentíamos à entrada era proveniente de espaços que, aparentemente, não eram humanamente possíveis de passar, pelo menos naquela altura.



2ª Parte - A Gruta do Sono.

A 20 de Novembro de 2004, depois de várias tentativas para descortinar a continuação da Gruta do Vento, tiramos a orientação dos estratos geológicos e da fracturação visível com a intenção de prospectar na superfície indícios do sistema cavernicola.

Começamos por seguir uma das diáclases responsáveis pela abertura da gruta. A uns 30m a sul com o auxílio de um pé de cabra que íamos espetando no chão, a certo momento, este enterrou-se no solo argiloso e de lá começou a sair ar!


Através de um buraco do raio de um dedo tivemos a certeza que tínhamos dado com uma gruta e a mim, em particular, encantava-me a forma como o tinhamos feito.
Com aquela ansiedade que só os espeleologos sabem, começamos a desobstruir o sítio e 3 horas depois já podíamos espreitar uma pequena sala que conquistamos logo a seguir.

Foi com alguma estupefacção que não vimos a continuação da sala, estava repleta de argila e por isso tentamos encontrar a corrente de ar e segui-la. No chão, num canto, encontramos dois fragmentos de cerâmica pré-histórica, ficamos apreensivos mas como estavam sós pensamos que podiam ser roladas da superfície. Pouco depois, também num canto, encontramos um fémur humano e aí desconfiamos que estávamos perante uma necrópole pré-histórica.

A deslocação de ar vinha do fundo da sala onde a argila quase tocava o tecto. Não tendo a certeza que se tratava de uma necrópole e, se assim fosse, o chão estaria certamente estratificado, limpamos a argila sem fazer buraco entre o chão e o tecto e ao fim de um dia, acedemos a uma espectacular sala concrecionada onde não me consegui conter e soltei um grito que já a algum tempo que estava preso!


Não podemos continuar a exploração como desejávamos, no dia seguinte confirmaríamos, com aparecimento de mais cerâmica e um crânio humano, presença pré-histórica na gruta. Cientes que nos cabe a nós espeleólogos a protecção do património subterrâneo, a nossa preocupação agora era como revelar a descoberta.